Capítulo
02:
Kira acordou
ofegante do sonho, e sem se importar com as horas, correu até o quarto de Cafa,
o acordando com alguma dificuldade.
-- Preciso
falar com você. Tive um sonho.
-- Não pode
esperar até mais tarde? É domingo e eu estou exausto...
-- Não. Tive
um sonho sobre você e a Fabi, é importante. – disse Kira.
-- Fabi? Vai
acontecer alguma coisa com ela? Ela está bem...? – perguntou Cafa, se
levantando num pulo com o susto.
-- Não, acho
que ela está bem. No meu sonho, era você que... O que quero dizer é que se você
não agir logo e aceitar os sentimentos que realmente tem por ela, consertar as
coisas, você vai perder a Fabi, de vez.
-- Kira, não
estou entendendo.
-- No meu
sonho, primeiro eu vejo você e ela juntos, mais velhos, formavam uma
família.... Tem até uma filhinha. Mas tudo desapareceu de repente, desmoronou,
e então, você estava observando à distância ela com o marido, outro homem, e
eles esperavam um bebê. Foi isso. Você estava arrasado.... Não pode deixar isso
acontecer, pude ver o quanto estava sofrendo com aquilo, por tê-la perdido.
-- Calma,
Kira. Você está exagerando, foi apenas um sonho...
-- Não! Pare
de ser tão teimoso! – gritou ela. – Todos nós já percebemos o quanto você está
abalado pelo término de vocês. Sei que sente falta dela e a quer de volta. Pare
com esse egoísmo e esse orgulho tolo, acha que ela não sofre também?
-- Foi ela
quem quis terminar tudo! Foi escolha dela. – respondeu Cafa, furioso.
-- E por que
ela fez isso, hein Cafa? Em nenhum momento você se comprometeu com a relação de
vocês. No minuto em que ela virou as costas você se engraçou com quem? Com
aquela Jalma, que não vale o chão em que pisa. O que esperava que ela fizesse,
continuasse fechando os olhos, enquanto o homem que ela amava a traía e magoava.
-- Eu não
traí a Fabi. Desde o começo eu fui honesto e em momento algum me comprometi com
ela. Estávamos só saindo juntos, nada mais. Se ela pensou...
-- Sei que
você foi honesto, Cafa. Não esperava outra atitude sua, mas.... Não se pode
controlar os próprios sentimentos, ela te ama e desejava mais do que só uma
parte de você. O problema é que eu acho que você também se apaixonou, só não
quer admitir.
-- Eu posso
ter afeto por Fabi, mas amor? Não Kira.
-- Se
continuar assim, você realmente vai perdê-la, Cafa. Não quero que, no futuro,
lamente sua atitude por isso.
-- Não se
preocupe, irmãzinha. Eu estou bem, e tenho certeza de que Fabi também vai
superar tudo isso.
-- Espero
que esteja certo...
Kira deixou
o irmão sozinho, refletindo sobre suas palavras, tentando entender como estava
se sentindo com toda a confusão em sua vida amorosa. Não podia negar que ainda
sentia falta de Fabi, e muito. Pensava nela o tempo todo, mesmo lutando pelo
contrário, mesmo tentando evitar, seu corpo se sentia incompleto e um vazio
doloroso inundava seu coração cada vez mais, a cada dia que passava longe dela.
“Talvez Kira
esteja certa... Eu já deveria ter superado, deveria estar voltando para minha
antiga rotina, mas não consigo...” – pensou Cafa, voltando a se deitar, incapaz
de dormir.
Tentou ligar
para Fabi, mais uma dentre a milhares de vezes que tentara naqueles dias,
porém, como em todas as anteriores desde a separação, ela não atendeu.
-- O que vou
fazer? – ele se perguntou, colocando o celular de lado.
Fabi estava
nervosa quando chegou à clínica, vinha se sentindo mal há algum tempo e os
sintomas só estavam piorando. Tinha medo do resultado dos exames, entretanto,
não tinha outra escolha senão enfrentar a situação.
Com a mãe ao
seu lado, ela entrou no consultório, onde o doutor Caio as aguardava.
-- As
notícias não são boas, Fabi. Lamento, mas segundo seus exames, você está com
câncer de mama.
-- O quê?
Mas ela é tão nova.... Tem que ser um engano! Os exames devem estar errados...
– a mãe de Fabi disse, alterada. Não podia aceitar aquele diagnóstico. Enquanto
Fabi permaneceu calada, em choque, absorvendo aquela nova realidade.
Ela estava
muito doente, de coração partido e talvez até mesmo morrendo. O que seria dela?
-- Entendo
que é difícil aceitar, porém, quanto antes fizer isso, mais rápido poderemos
iniciar o combate à doença. A doença, felizmente, está no estágio inicial e
tenho plena confiança na sua recuperação. Cuidaremos bem da sua filha aqui, eu
garanto. Se concordarem, quero que ela inicie o tratamento o quanto antes,
posso providenciar sua internação hoje mesmo, já deixei tudo preparado.
-- Sim,
claro doutor. Não se preocupe filha, eu trarei tudo o que precisar e avisarei
seu pai. Vai ficar tudo bem, minha querida. – disse a mãe de Fabi, tentando com
todas as forças acalmar o próprio coração, para dar o apoio que Fabi precisava.
Já era
quarta-feira, e Cafa ainda se atormentava com a dúvida. Deveria procurar Fabi?
Ou deveria seguir em frente e esquecê-la? E ele conseguiria esquecê-la? De
acordo com o sonho de Kira, a resposta era não.
O fato era
que seu orgulho o estava retendo, o impedindo de resolver a situação com Fabi.
Nunca havia sentido medo de encarar uma mulher antes, e então, se viu
amedrontado pela possibilidade de Fabi rejeitá-lo, se recusar a vê-lo. Não
estava acostumado a não conseguir quem queria, de ser rejeitado, ainda mais
pela mulher que talvez amasse. Será que a amava mesmo? Estaria Kira certa?
Por um longo
tempo, pensou ser imune a sentimentos como aquele. Jamais imaginou se
apaixonar, até encontrar Fabi. De alguma forma, toda a doçura dela, seu
sorriso, sua voz meiga, seu coração carinhoso e afetuoso, sua inteligência e
sua força o conquistaram completamente. Cafa se surpreendeu naquele instante ao
perceber que, não conseguia se imaginar no futuro sem Fabi com ele.
Assim que
saiu do trabalho, Cafa seguiu para a casa de Fabi, na esperança de poder vê-la,
de poder conversar com ela. Porém, ao chegar à casa, todas as luzes estavam
apagadas, mesmo ainda estando cedo para estarem todos dormindo. “Será que não
tem ninguém em casa? ” – Se perguntou Cafa, ao caminhar até a porta e bater com
força.
Ninguém o
atendeu.
Pegou o
celular e tentou ligar para ela, sem sucesso. Determinado, decidiu lhe mandar
uma mensagem, ao menos.
“Fabi, sei que deve me odiar nesse momento,
não posso culpa-la por isso. Eu errei demais, não valorizei o amor que você me
dava, a magoei e quebrei sua confiança, eu sei. Tudo o que posso dizer agora é
que sinto muito. Por favor Fabi, me perdoe. ”
Cafa voltou para
casa, com o coração ainda mais pesado, frustrado por não poder ver fabi. Havia
dias demais sem que a visse, sem sentir sua presença próximo dele.
A cada dia
que passava, ficava ainda mais difícil lutar contra o vazio em seu peito,
contra a dor que a saudade e a culpa que o atormentava. Ele precisava dela,
precisava dela de volta à sua vida, não era capaz de imaginar o sonho de Kira
se tornando realidade, Fabi formando uma família com outro homem, longe dele
definitivamente. Pensar nisso fazia seu peito doer ainda mais. Kira estava
certa, ele amava Fabi e precisava lutar por ela. Por sua felicidade.
Deitado na
cama, Cafa enviou uma nova mensagem para ela.
“Por favor Fabi, fale comigo!
Eu vacilei, mas estou arrependido. Me perdoe! Me dê mais
uma chance, querida. Só uma.
Eu te amo! De verdade. Só preciso de uma chance para te
mostrar, para compensar. ”
Nos dias seguintes, toda noite após voltar do trabalho, Cafa dirigia até
a casa de Fabi e lhe mandava uma mensagem por celular. Sem conseguir vê-la, sem
ter nenhuma resposta. Não estava aguentando mais aquela saudade, aquele vazio.
Foi após
completar um mês desde a separação, numa noite quente, abafada, como a cidade
estava acostumada a oferecer, que Cafa teve um sonho que jamais esqueceria, e o
tornaria ainda mais determinado a reconquistar Fabi.
‘Havia adormecido há poucos minutos, ou
seriam horas? Quando se viu num corredor de hospital, amplamente iluminado por
luz artificial, enfermeiras corriam de um lado ao outro, e médicos entravam e
saiam pelas portas ao seu redor. E então, Cafa ouviu uma voz familiar, se
sentiu ser puxado até uma sala de cirurgia, e levou um susto ao ver Fabi
deitada, prestes a parir, segurando a mão de outro homem.
-- Continue fazendo força, querida! Aguente só mais um
pouco, está quase lá. – disse a médica, entre as pernas de Fabi.
Cafa correu para perto dela, sem se importar com o homem
ao lado dela. Ele a observou usar as suas energias para trazer aquele bebê ao
mundo, e quando enfim se ouviu o choro estridente do recém-nascido, o pesadelo
começou.
Alguma coisa havia dado errado, Fabi não parava de
sangrar e ficava cada vez mais pálida e fraca. Antes que Cafa pudesse tentar
fazer algo para ajudá-la, qualquer coisa, ela simplesmente surgiu ao seu lado.
A roupa de hospital que usava encharcada de sangue na parte inferior.
-- Como? Você está bem?
-- Eu morri, Cafa. Sabe disso muito bem, você viu.
-- Não! Você ainda é jovem, é forte, acabou de ter seu
bebê...
-- Sim. Estou triste porque não poderei ver meu filho
crescer, mas não há nada que eu possa fazer sobre isso. Além do mais, sei que
Caio cuidará bem dele.
-- Caio? Quem é Caio? Fabi... Desculpe Fabi. – Começou
ele, as lágrimas deslizando por seu rosto. – Eu nem pude.... Não tive a chance
de...
-- O quê, Cafa? Você teve sua chance, no passado, mas me
desapontou. Não lutou por mim, preferiu sua vida descompromissada à mim, à nós.
Você escolheu. Desistiu da nossa relação antes que ela se tornasse algo sério,
algo verdadeiro. – disse Fabi, guiando Cafa até uma casa próxima ao hospital.
Uma casa fria e impessoal, solitária. – Esse é o nosso futuro, já viu o que vai
acontecer comigo, está na hora de ver o que vai acontecer com você.
Fabi desapareceu, deixando Cafa sozinho num quarto
escuro, com sua versão mais velha à sua frente, sentado numa grande cama, lendo
algo. De repente, o telefone ao lado da cama tocou, e o Cafa mais velho
rapidamente atendeu.
-- Alô! Mário? O que foi?
-- É a Fabi, Cafa. Ela entrou em trabalho de parto esta
noite.... Você tinha me pedido para avisá-lo...
-- Estou indo agora mesmo. – disse ele, se levantando
abruptamente. – Como ela está? O bebê já nasceu?
-- Sinto muito, Cafa! Ela faleceu devido às complicações
durante o parto, há poucos minutos. Felizmente o bebê está bem... Lamento de
verdade.
Cafa mais velho não foi capaz de continuar ouvindo,
deixou o fone cair no chão sem dizer nada. Tudo que Mário ouviu do outro lado
da linha foi o grito desesperado de dor de seu amigo, antes de se força a
desligar, para dar a Cafa um tempo para lidar com a dor da perda.
A versão mais velha de Cafa chorava, em desespero, uma
dor tão profunda que o Cafa mais novo pôde sentir também, era tão intenso que
ele caiu no chão, com uma mão apertando o próprio peito, enquanto aquele vazio
em seu coração começava a dominá-lo completamente. ”
Ele acordou assustado do sonho, ainda podendo ouvir os próprios gritos de
desespero e agonia pela morte de Fabi. Se levantou rápido, se arrumou correndo
e seguiu para o elevador, mas foi parado por Kira.
-- Cafa!
Tenho que te contara uma coisa... Sobre Fabi.
-- O quê?
Aconteceu alguma coisa?
-- Eu vi a
mãe dela hoje, e ela me contou...
-- Contou o
que Kira? Fala logo!
-- A Fabi
está no hospital, ela descobriu que está com câncer de mama há mais ou menos um
mês atrás, pouco depois de vocês terminarem.... Parece que ela está internada
durante todo este tempo, recebendo tratamento. – Explicou Kira, abatida. – Eu
vou visita-la agora, você quer ir também?
-- Não pode
ser... Por que eu não soube antes...? – Perguntou Cafa, mais para si mesmo. –
Eu vou com você, preciso vê-la.
Kira e Cafa
seguiram par ao hospital onde Fabi estava, e encontraram sua mãe esperando em
frente a um dos quartos, o quarto de Fabi.
-- Senhora
Célia. Está tudo bem com a Fabi? – perguntou Kira, com Cafa ao seu lado.
-- Sim. Os
médicos só a levaram para mais uma sessão de quimio... E esse é...
-- Esse é
meu irmão, Carlos Rafael, ele também quer ver a Fabi, saber como ela está...
-- Carlos
Rafael... Seria o Cafa? Fabi me falou muito de você antes de... Bem, antes de
tudo isso.
-- Sim. Fabi
e eu estávamos saindo juntos, no conhecendo... Ela é muito importante para mim,
quero que saiba disso.
-- Obrigada
por virem. Tenho certeza que ela ficará muito feliz em vê-los.
Logo depois,
Fabi apareceu, sendo trazida numa cadeira de rodas por um médico de aparência
impecável, muito bonito. No mesmo instante, Cafa o reconheceu. Era o homem em
seu sonho, o possível futuro marido de Fabi.
Ficou claro
para Cafa o interesse do tal doutor, estava encantado por ela, e ela parecia
estar retribuindo. Cafa sentiu o ciúme lhe consumir, tinha que se controlar
para não piorar a situação.
-- Oi Fabi!
-- Cafa?
Kira? O que estão fazendo aqui?
-- Viemos te
ver, é claro. Por que não nos contou o que estava acontecendo com você? – perguntou
Cafa, enquanto o médico a colocava no leito, com cuidado. Ela estava fraca.
-- Gente,
pode nos deixar um pouco sozinhos?
-- Tudo bem!
– disseram todos, antes de saírem do quarto, deixando Fabi e Cafa sozinhos.
-- Por que
está aqui Cafa? Nós terminamos...
-- E acha
que por isso deixarei de me importar com você? Eu precisava vê-la, Fabi, falar
com você. Tenho sentido tanto a sua falta... Sei que demorei para aceitar, para
notar, mas agora tenho certeza de como me sinto. Eu te amo, Fabi. Demais. Sinto
tanto sua falta que dói, você se tornou parte de mim, da minha vida. A melhor
parte. Tudo o que eu quero é somente uma chance, mais uma chance para te
mostrar que posso mudar, que te amo e posso lhe fazer feliz. Vou compensar
tudo...
-- Não sei
se consigo acreditar, Cafa. Era o que eu mais queria... Você me magoou demais.
-- Eu sinto
tanto. Eu a decepcionei antes, mas não vai acontecer de novo. Eu juro, Fabi!
-- Queria
mesmo acreditar nisso, mas não consigo...
-- Eu vou te
provar. Vou fazer você acreditar.
-- Espero
que sim, Cafa. Espero mesmo.